sexta-feira, 17 de julho de 2009

Até enquanto durarem as células

Mesmo no frenesi automatizado do dia a dia, estamos mergulhados em arquétipos e tradições. Não só as tradições: também as benesses que faziam mais parte da vida de nossos avós do que das nossas. Esquecemos há muito tempo que é gostoso espreguiçar ainda sentados na cama ao acabar de acordar: 10 segundos que os músculos e o bom humor agradecem! Esquecemos de dizer bom dia com a verdadeira afeição de Bom Dia: o cumprimento virou parte do ritual de descer de elevador, sempre antes de apertar o botão do sub-solo. Alguém aí, quando chega em casa depois de perambular pra cima e pra baixo pela cidade o dia todo, ainda faz uma merecida automassagem nos pés e panturrilhas? Não!!... Onde está o velho e bom costume da vovó de lavar as mãos antes de qualquer coisa, até mesmo de passar a mão nos olhos?! Não sei! Ninguém viu! Sumiu... Nem ao menos lembramos de lembrar que isso ainda existe...

Só em momentos com pessoas naturalmente especiais é que detalhes interessantes e perdidos no tempo vêm a tona.
Simoninha é uma dessas pessoas que exalam luz: no jeito de falar, de olhar, sentir, viver. O mundo está desabando e seu otimismo lá: inabalável. Eu chamo isso de fé. Ela também. Simone parece um bichinho-preguiça: pacieeeente... Tão paciente que, em alguns momentos, tira fácil a paciência de qualquer monge tibetano! Em compensação, se ainda não tivessem dito que a pressa é inimiga da perfeição, certamente teriam nela a inspiração pra falar tamanha sabedoria. Viver momentos ao seu lado é sorver carinhosamente cada delicadeza que a vida nos oferece a todo instante, normalmente atropeladas em nome da "eficiência".

Estávamos no processo final de legendagem do Ecléticos Corações. Como boa produtora e diretora, responsabilizou-se por comprar as mídias que precisávamos pra enviarmos o curta ao Festival de Cinema Brasileiro do Canadá. No trajeto de sua casa até a loja mais próxima, atravessamos avenidas caóticas debaixo de um sol de fritar ovo no asfalto. Eram 15hs, horário muito "agradável" pra caminhar no centro de uma capital do Centro-Oeste.

Ah! O Calor Goianiense... Seco! Ventinho empoeirado. As paredes ficam tão quentes que bafejam pra qualquer atrevido que a faça de encosto. "Olha a água Mineral! É geladinha! Quem vai querê?!? Leva duas! - é três reauls!" Água de côco - gelada! Aos "formigas", caldo de cana - moída na hora, com muitas pedras de gelo! Sorvetes?! Derretem! Um caos!... Nessas horas, nada como uma sombra de árvore - daquelas que ainda sobraram no centro da cidade, ou a de uma marquize virada pro sol nascente. Por aqui, sombra virou sinônimo de fugir do sol: salvar a pele... E todo mundo fala da sombra da árvore, do poste, do guarda-sol do moço do picolé. Sombra de tudo! Mas ninguém: Ninguém! - lembra da própria sombra...

Companheira de todas as jornadas, desde o primeiro berreiro ao suspiro fatal, noite e dia. Surda e muda. Gooooorda, magriiiinha. ALTA, baixa. Pregada no pé. Desvalorizada, disforme, maleável... Sempre a lamber ruas, camas, calçadas. Toda roupa é roupa igual: cinza. Solitáááária... "Ô dó!"... A não ser que encontre com outra amiga! Aí sombra abraça, beija, ri, se diverte... Tudo do jeitinho dela: deitada em pé.

"Se minha sombra falasse..." Dela, não tem jeito de esconder: nem no escurinho do cinema! Mesmo no quarto em breu, tão negro a ponto de não conseguirmos enxergar o próprio nariz, certamente ela está lá, camuflada de preto. Ou talvez ali seja tudo ela: nós é que viramos sombra da própria sombra. Pros filmes? Onipresente: ora a ser exterminada por toneladas de lúmens, ora atriz principal -
a predileta de Hitchcock. A mais bela passa por paredes com maestria. Borda rendas, pinta desenhos, descortina emoções. Compacta ou fina penumbra: depende do diretor. Sim! - é ele quem manda! Mas acima de tudo, sombra tem que ter o timing, o feeling de provocar arrepios. E a gente?!... "Nem tchum" pra ela!... Só lembramos da bendita quando um incoveniente qualquer nos segue pra lá e pra cá. Sombra vira sinônimo de chatice. É. Sómos muito mal agradecidos mesmo...

Nessa de esconde do sol daqui, garimpa mais uma sombrinha dali, eu e Simoninha estávamos no caminho de volta, já com os DVDs virgens na mão. Esqueci do abuso do sol em minhas costas e passei a admirar a companheira: minha sombra. Mais uma vez, serpenteava meu corte curtinho que Simone e Vâninha - O Anjo, tanto gostaram. Foi por causa da sombra sem sombra de marquize que tudo virou vento fresco num instante. Até esqueci que tinha pisado em uma poça de água suja. Simone lembrou-se de um vídeo. Uma criança descobre que a danada da sombra não vai deixá-la nunca. A menina anda o quanto pode, levanta o pé, chora e olha pra mãe. Grita, grita, grita! Tadinha!... Corre mais um pouquinho, e olha lá, a bendita denovo na frente dela - grande! E ela chora! Os pais? A gargalhar! É o que se há de fazer, e nada mais...

Estávamos próximas do prédio da Si, filosofando sobre as simplicidades que estão a nossa volta e não as vivenciamos, como a nossa singela sombra. Não ocupa espaço, não incomoda ou agride, não deixa rastros. Companheira até enquanto durarem as nossas células. "Isso dá um curta, hein!"... E em tempo, a sombra do prédio nos aliviou a pele. Entramos, enfim.

Quanto ao curta, não sei... Só sei que deu um post nesse blog.

Simone Caetano, obrigada pelos doces momentos. Desejo estar sempre contigo, tomando seu ombro para minhas lágrimas, emprestando meus dedos no teclado para cortes e tratamentos de imagens, e presenteando com o meu sorriso os nossos momentos doces. O mundo precisa de mais Simoninhas espalhadas por aí. Só assim o vermelho das flores será vibrante para todos. Obrigada por sua companhia, pela oportunidade de sempre participar de seus projetos, e por cada lição que aprendo quando estou contigo.
Um beijo no seu coraçãozinho,
Manjericão Nóbrega.

PS.: pros curiosos, deixo dois links: O primeiro tem a cena que a Sica lembrou, e que rimos muito quando vimos. É o trecho que tem um letreiro "Com medo da Sombra", em 2min27seg do vídeo de 6min. O segundo link é uma das mais belas propagandas da Wolksvagen, e que me agrada muito - sugestão do Xuxuuu (o Gui, meu irmão - outra pessoa indispensável pra paz no mundo). Espero que gostem!
Beijos temperados!

Youtube - Vídeos mais engraçados

Youtube - Propaganda Wolksvagem (Sombras)

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