sexta-feira, 3 de julho de 2009

Sexta de cortes


Ensaiava há uma semana. Foi um grande amigo quem me apoiou. Amiga, amigo, não importa. Fato é que ensaiava há uma semana pra dar um bico no meu cabelo. Um não: dois! Por favor, simetria na história, ora bolas... (risos).

O espelho me devolvia a agonia com o corte ainda em boas condições. Concretizavam-se mil balões honomatopéicos de uma frase só: hora de mudar. Por dois dias fiz pesquisa na internet dos curtinhos que sempre quis. "Downloadiei" as inspirações, salvei na memória do celular, marquei hora pra corte e escova, e não via a hora de sexta-feira chegar.

Passei o dia na expectativa. Não consegui fazer qualquer coisa descentemente, competentemente. Almoçar?! Nem lembrei. Só observava aquelas mechas de pontas cacheadas, perdendo a escovinha da noite anterior de gravação dum DVD de serestas. Fiz inclusive uma hidratação em homenagem àqueles centímetros com horas contadas, e ficaram tão macios que tive pena deles, assim tão brilhantes, de nem sonharem que noutro dia a tesoura nos apartaria - para sempre.

Há uma hora e meia antes da transformação eu já estava enfiada debaixo do chuveiro: corto ou não corto!? Ainda há tempo de desmarcar. Eles estão tão macios!... Parece chantagem dos danados que ficam mais bonitos no exato dia em que a gente resolve deixá-los. É sempre assim! Sempre assim! De propósito, só pode!

Donizete é o único santo do Departamento Celeste dos Cabelos a quem confio minhas madeixas. Baixinho, parece um menino. Sorriso sempre aberto. Um gentleman: com as clientes e com as tesouras! Carequinha. Assemelhou-se especialmente hoje, a um personagem do pente dos contos mágicos da Takai, o primeiro de Não subestime uma mulherzinha(*). Nenhum deles precisa desse rótulo preconceituoso e demodê, mas meu cabelereiro trabalha com a esposa: linda e hiper simpática. Excelente casal homem-mulher.

Antes de tudo, mostrei-lhe o dossiê das fotos. Amoladas as tesouras, água fria e shampoo, e depois pra cadeira regulável, que por mais medo que já tenha aconchegado, me abraçou como poltrona de rainha. E dá-li redobradas fofoquinhas de salão: além de Michael Jackson, amenidades sobre a crise financeira e a importância da organização de classes profissionais para um mundo melhor. Cortar cabelo da gente alinhada que frequenta a sua "fofoqueria" é para as duas partes - ele e seus clientes, agradável e vantajoso. Donizete é estudado do mediano Bê-A-Bá, multiplicado por muitos cursos: da vida e da sua profissão. De origem simples, venceu pela humildade. E dá-li tesoura! Juro que nem vi o que estava caindo pelo chão. A vassoura eficiente da assistente levava rápido as sobrinhas. E dá-li tesoura, motor de secador da colega ao lado e fofoquinhas.

Do corte para a escova. E
ntre olhadelas e cochichos no salão, o desenho foi surgindo, lisinho. Enfim, o chanel presenteou o meu rosto almodovariano. E era tanta gente cheia de ÓOOHhhh!... que envergonhei. Olhava no espelho e perguntava como não tinha pensado nisso antes!? Algo que eu procurava, tinha medo e não arriscava, mas ficou tão meu jeito que me assustei. Passei a mão como sempre, só que a mão escapuliu e encontrou o ar das costas. Que estranho, mas gostoso! Ah, Donizete!...

Eram pouco mais de 7 da noite. Resolvi voltar a pé. Minha vaidade queria o ÓOOHhh! dos estranhos, como se soubessem ou se importassem com a minha delícia. Coisa mais comum! Mas olha só, ô seu moço, olha que beleza! Que curtinho! Que soltinho! Que lisinho! Que Delícia! Que bonito que ficou!... E eram muitas calçadas diferentemente iguais! Farfaleando pelas quadras, olhava mesmo era pra minha some-aparece-some-aparece-sombra, entre postes e faróis de carros. Me apaixonei pelos fios esvoaçados ao ventinho fresco e seco que o inverno goiano nos dá. Como em Hollywood, parei o trânsito por várias vezes (com uma ajudinha dos semáforos - vermelhos, lógico)!

Entrei na padaria pra comprar rosquinhas, leite e pão francês. Fiquei com cara de francesa com o Chanel de Bico no sorriso! - pensei. O dono até me sorriu - na mesma simpatia de ante-ontem. Sua esposa também me sorriu - na mesma alegria de ontem. E hoje o tradicional "Boa noite e volte sempre!" foi o mais sorridente. Em casa, vizinhas deram pulinhos e gritinhos em tons de Ah! Se eu tivesse coragem!... Melhor mesmo, só a cara do Gui - o meu Xuxuuuu irmão. Ele, que nunca repara nessas coisas e quando repara rasga elogios inusitadamente contrários àquilo que toda mulher quer ouvir, abriu de imediato o belo sorriso, e inspirou um alto Olha sóooo! Que gata, hein! Adorei! Ficou linda!...

Narciso anda me agradecendo com sorriso solto quando vou ao espelho, e vai continuar até enquanto durarem os estoques de encantadores espantos dos amigos. Do mais, tudo em breve volta ao doce normal, centímetro a centímetro, mês a mês...

(*) O livro de deliciosa leitura: Não subestime uma mulherzinha, me foi recomendado por um recém descoberto homem. Recém descoberto por mim, que tanto ouvia falar dele, de seus trabalhos, de sua generosa simplicidade, de suas fortes proezas. Meu querido poeta Alberto, obrigada pelo apoio e doces palavras sobre minhas perdidas e eufóricas linhas. É com vaidade comedida que recebo seus elogios, e sou-lhe especialmente grata por isso. Seu conhecimento é a pauta de suas palavras, e por isso tanto respeito e consideração meus. Desde já e sempre, muito obrigada. Nóbrega.

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